site-specific Fui, sou, serei

Corpo – cárcere

2025
Carvão e tinta óleo sobre tela.
50x50cm

No centro da composição, a avó da artista está cercada por três de suas filhas ainda crianças. Pequenas diante do quintal que as envolve, elas carregam a leveza da infância dentro de um espaço marcado por limites e fronteiras. Os pés de algodão e os cactos, plantados na terra, são rastros vivos das lembranças da artista – elementos que sobreviveram ao tempo e permanecem na paisagem de sua memória.

A cerca de madeira inacabada sugere um limite que nunca se concluiu, uma fronteira entre o dentro e o fora, entre a proteção e o isolamento. Em primeiro plano, porém, o arame farpado impõe uma presença rígida e cortante, metáfora do cárcere em que sua avó viveu enquanto o avô ainda era vivo – um homem que a artista nunca conheceu, mas cuja sombra ainda se projeta na história da família.

A avó, mãe de nove filhos, sendo sete mulheres, é o eixo dessa narrativa. Seu rosto, no entanto, carrega um tempo que vai além dos anos vividos. Embora tivesse menos de 40 anos na cena retratada, sua expressão e seu corpo já carregam a marca de uma velhice precoce, moldada pelo trabalho árduo, pela maternidade incessante e por um sistema que restringia sua existência. Hoje, a neta que a pinta tem 42 anos e se vê mais jovem do que a avó parecia ser naquele tempo. O sofrimento se inscreve no rosto e no gesto, envelhecendo antes da hora, transformando juventude em resistência silenciosa.

Parte da exposição “Fui, Sou, Serei”, essa obra reflete sobre os legados que as mulheres herdam e sobre o que se mantém mesmo quando os tempos mudam. A memória se fixa na terra, nos objetos, nos gestos repetidos – mas também nos silêncios e naquilo que não se completou. O tempo vivido por essas mulheres não é apenas cronológico, mas um tempo denso, tecido pelo peso das responsabilidades e pelo desejo de liberdade.


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